Designers, somos todos parte do mesmo time

Camila Husch
4 min readNov 21, 2020

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Recentemente venho acompanhado uma onda de críticas em relação aos novos ícones do Google. Dentre os mais diversos posts sobre, um em específico me chamou a atenção. Ele continha a seguinte frase: (sobre os ícones) “É isso que acontece quando se prioriza branding ao invés de experiência do usuário.”

Isso ficou na minha cabeça por dias, inclusive foi o que me motivou a escrever esse texto. Como alguém que trabalha com branding é inevitável ficar ofendida com essa colocação que o reduz apenas a aparência, mas gostaria de ir um pouco mais a fundo na discussão antes de voltar nesse ponto.

Com o crescimento de startups no mercado brasileiro, foi possível perceber um aumento de demanda de profissionais de uma área específica do design: UX, que está inserida numa área maior que seria produto. Temos uma dezena de projetos, cursos, palestras para capacitação nessa área, visto que, em teoria, ela seria uma área que ainda não é coberta no meio acadêmico. Digo em teoria porque, na minha visão, ela é coberta sim e é isso que parece que foi esquecido atualmente: UX bebe da fonte de design de produto, que bebe da fonte do design em si. O que eu quero dizer com isso? Um designer de produto formado pode precisar sim aprender alguns métodos e ferramentas super válidos e novos que são utilizados no mercado hoje, mas ele já tem a bagagem do ponto de vista de design para realizar aquela função. Que bagagem? O que ganhou o nome bonito de Design Thinking.

O “Pensar Design” é algo que permeia a formação de qualquer designer, pois é o método que aprendemos a usar para criar os projetos que trabalhamos durante a faculdade. Isso fica intrínseco ao criar, ou seja, um bom designer sempre vai levar em consideração seu usuário, vai prototipar, pesquisar, testar, analisar. Inclusive esta é uma linha de pensamento que nos torna extremamente exigentes e que nos traz a fama da “chatice de designer”. O problema é que ficamos tão chatos, mas tão chatos, que nos tornamos autodestrutivos. Tão autodestrutivos que criamos um abismo enorme entre design gráfico/visual e design de produto, e ainda temos a audácia de reproduzir a ignorância de pessoas que não conhecem a área, e que outrora criticamos, dentro do nosso meio. Aí reduzimos branding a “deixar bonitinho” enquanto deixamos a parte estratégica para o pessoal que trabalha com produto.

via Giphy

Acontece que, spoiler alert, todos somos estratégicos, afinal, design é estratégia. O que muda é o meio: vou aplicar essa estratégia para uma campanha publicitária, para uma embalagem, para um produto físico ou um produto digital? É por isso que não aprendemos a usar o pacote Adobe com maestria na faculdade.

E aí o que vemos acontecer na realidade: designers de produto que não se comunicam com seus colegas designers visuais e vice-versa, e o design que poderia ser mais bem aproveitado ainda perde sua força porque criamos rivalidade entre nós mesmos. Não faz sentido um designer trabalhando no departamento de Marketing de uma empresa, seja startup ou não, não ter contato com o designer da área de Produto dessa mesma empresa. Novamente, o que muda é o meio de aplicação, não a origem. E essa rivalidade fica tão forte que se torna tóxica a ponto de se criar esse preconceito entre os profissionais e mais tóxica ainda quando (alô lideranças em design) um profissional de visual recebe bem menos que um profissional de produto. Essa diferença grotesca salarial reforça e institucionaliza a importância utópica de uma área sobre a outra. A consequência disso é: inflação do mercado de designers de produto e desfalque na área de visual, o que de forma alguma é vantajoso nem para a empresa nem para a área de design como um todo.

Tá, Cami, sou um_ designer de produt_ e não entendo como design visual é estratégico, pode me explicar?

Explico com prazer! Recentemente escrevi um artigo sobre a criação de uma brand persona, e nele já tem um pouco da estratégia. Mas além disso, tem outros fatores que consideramos (ou pelo menos deveríamos considerar), na hora de trabalhar com branding que vão além da estética, vou trazer aqui apenas uma amostra grátis de alguns deles:

  • Público: com quem estamos falando? Quais as dores? Qual a melhor maneira que posso me comunicar com ele de modo que não seja ofensivo ou que reforce estereótipos que já sabemos que são tóxicos para a sociedade?
  • Empresa: a empresa para qual estou trabalhando é o que? Qual estilo de comunicação reflete mais? Ela tem características que permitem uma criação mais de vanguarda ou é mais conservadora e precisa refletir seriedade? Como eu reflito seriedade de maneira visual?
  • Produto (oi, tudo bem?): qual é o meu produto? Quais as vantagens que meu público vai ter ao consumi-lo? Quais partes dele são mais interessantes de explorar na divulgação? Ele é inclusivo ou não? Por que será que dificilmente um chiclete de tutti-frutti vai estar numa embalagem verde?
  • Contexto: como a marca deve se comportar no contexto que ela está inserida?

Outros conceitos que são muito discutidos na parte de produto também são na parte de visual, como: legibilidade, psicologia das cores, acessibilidade, contraste, proporção, composição, forma, função, tipografia. Lembra que falei sobre todos beberem da mesma fonte?

via Giphy

Enfim, a minha intenção com esse texto é lembrar que estamos todos juntos e que podemos sempre nos apoiar para sermos profissionais cada vez melhores.

Ah, e os ícones do Google só estão ruins mesmo, tanto do ponto de vista do usuário quanto do ponto de vista de branding.

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Camila Husch

designer at NZN @ huge necessity of sharing my thoughts with people.